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quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Poema_ Maturidade

 

Maturidade


O tempo em que somos o que somos
Não precisando de aprovação,
nem de paixão!
O relógio já não é nosso ditador.
Vivemos mais serenos
Repletos de esplendor!

Sem o fogo da paixão,
Mas também sem tanto tesão!
Ouvidos fechados para recriminação
Beijos, doces flores e amores,
Quanta admiração!

Eis aí a sapiência da natureza,
Que nos torna maduros.
Mente experiente
Corpo decadente
Alma transparente!

Dia após dia,
serenamente...
Apreciando a beleza da Vida,
sem precisar olhar para trás,
um olhar para a frente,
se realmente quiser.
Vivendo apenas o presente
sem pressa, tranquilamente!


terça-feira, 3 de novembro de 2020

 Contos Urbanos_nº1

                                                                             Pai Perdido

                                                                                                          Mara Assumpção

E mais uma vez estávamos nós dois ali, sentados numa lanchonete qualquer, em algum shopping, num silêncio constrangedor. Não muito longe de nós havia a presença de um oficial de justiça, monitorando todo o encontro a distância. Essa era a regra! E eu odiava tudo aquilo!
Haviam me roubado o pai, e eu não tivera forças ou vontade para fazer qualquer coisa que mudasse toda a situação!

Como eu queria que o tempo voltasse atrás! Uma máquina do tempo, algo como naquele filme antigo “De volta para o futuro”. Só que eu precisava voltar e revisar o passado. Uma quente tarde de verão, brincadeiras bobas na piscina junto com meu pai – e ele era o meu parceiro de brincadeiras, de programas malucos, parceiro de estudos, de passeios ecológicos, aventuras, parceiro de tudo – mas então, um mergulho, um desmaio, e tudo se transforma!


Agora, ali estávamos nós dois, sem ter assunto, sem saber o que conversar! Éramos como dois estranhos que tinham um passado comum, experiências e vivências compartilhadas, mas agora, sem qualquer sintonia ou conexão. Algo havia se rompido.
Como eu queria ter o meu pai de volta! Mas o meu pai, o verdadeiro, aquele meu parceiro de toda  hora, havia se perdido, talvez morrido, logo após aquele desmaio embaixo d' agua!
Foi tudo tão rápido!

Quando percebi que ele não voltava a superfície, deu um pulo para dentro d’agua. Ele estava desmaiado, se afogando! Tentei subir com ele, mas não tive forças; um homem que não sei de onde surgiu, percebeu o que se passava e me ajudou a tirá-lo d’agua.
Não lembro de mais ninguém a  nossa volta, só lembro do meu desespero em querer socorrer meu pai!  Que sensação horrível: um medo gigantesco de perde-lo invadiu  meu corpo e alma!
Por que estou lembrando disso tudo agora?

Levanto o olhar, e percebo que ele está ali, impassível, observando o movimento das mesas vizinhas na praça de alimentação, apático, resignado com todas as circunstâncias das nossas vidas desde aquele fatídico e miserável dia! Que raiva!
Devolvam meu pai! Por favor...
Já se passaram três horríveis anos desde aquela tarde, em que eu tentando prestar os primeiros socorros a ele, faço uma respiração boca-a-boca: uma, duas, três vezes e nada! Até que na quarta vez que me afasto, percebo um olhar diferente, um olhar perdido, confuso.... 

Volto a encostar minha boca na dele, preciso lhe dar ar, preciso lhe dar vida, e então acho que ele me beija, ou  a gente se beija. Não sei!  

Me afasto assustada e escuto ele falar num sussurro: Jacque!
Jacque é como ele chama minha mãe. O nome dela é Jacqueline, e meu pai sempre foi um bobo apaixonado por ela. Quase um dependente emocional! Todos dizem que sou muito parecida com ela!
Depois tudo virou uma confusão, minha mãe chegou e me afastou com um empurrão, e começou a gritar com meu pai, acho até que lhe deu um tapa na cara! Ele ali, deitado, ainda sem ar, confuso.
Foi tudo tão triste e lamentável!

Termino de comer meu "BigMac" e fico tomando o "milkshake" no canudinho, lentamente. Meu pai faz o mesmo.
A gente sempre gostou de "milshakes" de chocolate. Desde que me conheço por gente, tomo "milkshakes" com ele. Lentamente, para usufruir ao máximo o sabor e a delícia da bebida!
Então me veio a mente uma lembrança e lhe surpreendo, perguntando:
- Você lembra do nosso voo de asa delta no Rio de Janeiro?
Um sorriso passa pelo seu rosto. O único que vejo em três longos e horríveis anos.
- Como esquecer? Quase morri de medo...
- Vai dizer que não foi legal? Muito legal, na verdade! M_A_R_A_V_I_L_H_O_S_O!
Ele me olha. A gente se olha. Olho no olho.
Tristeza profunda. Mágoa. Confusão. Remorso. Inércia. Resignação. Dúvida. Um enorme vazio. É só o que encontro nas profundezas daquele olhar.
Meu pai não está mais ali...
Todos haviam me roubado o pai!
A primeira a fazer isso foi minha mãe, a Jacque! Não quis ouvir o que eu tinha para contar sobre o ocorrido.
Nem ela, nem seu advogado, nem ninguém! Nunca vou perdoar a Jacque!
Ela sempre teve ciúmes da minha relação com meu pai. Ele era meu melhor amigo.
Eu só tinha quinze anos! Todos achavam que eu estava afetada e confusa com o ocorrido!
Eu devia ter gritado, esperneado e feito todos me ouvirem!
Nunca vou me perdoar: eu mesma tivera minha parcela de culpa  no roubo do meu pai!
Depois vieram os testemunhos mal intencionados dos vizinhos que não gostavam muito dele. Meu pai era autêntico, ele dizia a verdade dos seus sentimentos e emoções sempre. As pessoas não gostavam disso.
Então, ele me surpreende com uma pergunta:
- E você? Lembra quando menti para sua mãe para que você pudesse ir na noite do pijama na casa de sua amiga?
Dei uma sonora risada. Aquilo havia sido o máximo. Eu e meu pai havíamos articulado toda uma mentira para que eu pudesse ir dormir na casa da Vani, minha “best”. Somos super amigas até hoje!
Percebo que o oficial de justiça se levanta da mesa de onde a tudo fiscalizava. Seu olhar não se desviava da nossa mesa. A naturalidade da minha risada deve tê-lo deixado em alerta.
Meu pai era visto como um pedófilo. Um insano que importunava a própria filha!
Eu odiava tudo aquilo!
Aqueles encontros eram um verdadeiro martírio para mim; muitas vezes arrumei desculpas para não comparecer! Temo que, às vezes, desculpas esfarrapadas.
Me dói ver aquele homem destruído, ali, impassível na minha frente.
Não suporto vê-lo daquele jeito. Esse homem não é o pai que eu tinha!
Roubaram meu  pai!
Meu pai não era pedófilo. Nunca foi. Era algo inconcebível. 
Meu pai nunca me importunou ou abusou. Nunca. Jamais! E mataria se alguém o fizesse.
Fizeram com que ele próprio acreditasse em algo monstruoso. E ele se afogara na mágoa, no remorso, na angústia, na dúvida que colocaram em sua cabeça.
E então, meu pai se perdeu!
Quero gritar : “Eu quero meu pai de volta”!

O oficial de justiça se aproxima, avisando-nos de que o tempo determinado para o encontro findara.
Nosso tempo terminara, e eu não tive coragem de avisá-lo de que não haveria mais encontros.
Eu não aguentava mais aquilo. Era puro sofrimento!
Estava de partida. Fugindo. Austrália.
Vou embora. Sozinha. Inconformada. Eu havia perdido meu pai; acho que para sempre!
Só me resta chorar...
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Este conto foi escrito durante a Semana do Contista promovida pela Carreira Literária, tendo como base o conto "O livro dos recordes"  de Renato Lemos. O desafio era reescrever o conto, na visão da filha do personagem protagonista no conto original.