Contos Urbanos
Impossível esquecer!
Ainda me lembro
com precisão absurda cada momento daquela noite de sábado. O que eu esperava
ser uma noite de alegria e diversão na companhia do meu marido, virou uma noite
de angústia, depois de humilhação, pesar e por fim, uma noite de novas
experiências!
Não tínhamos
muitas oportunidades de fazer programas juntos. A vida de médico dele estava
sempre em primeiro lugar, sempre havia um chamado de urgência, alguém morrendo,
ou necessidade de um diagnóstico de emergência.
Naquele dia,
iríamos ao cinema e depois um jantar romântico. Eu estava feliz!
Mas tudo mudou ao
chegarmos no cinema. Logo na entrada encontramos duas mulheres. Conhecidas do
meu marido, colegas de trabalho. Uma era médica cardiologista, a outra
enfermeira obstétrica. Ele me contou a respeito delas, quando questionei.
Percebi de
imediato uma troca de olhares entre ele e a mulher mais alta. Morena de vasta
cabeleira. Presença marcante. Uma beleza diferente. Não havia como ignorar a
eletricidade no ar. Ela estava confiante e segura quando ele me apresentou às
duas. A segunda mulher parecia estar excitada, curiosa, como se estivesse na
expetativa de que alguma coisa interessante pudesse acontecer. A duas me
analisaram da cabeça aos pés.
Meu marido, a
princípio, pareceu surpreso. Depois, um tanto atrapalhado. Por fim, irritado!
Eu, captei no ar alguma coisa, desde o primeiro momento em que as mulheres
abanaram para ele, para logo depois se aproximarem.
Não gostei do que
a minha intuição feminina gritava silenciosamente nos ouvidos.
Tentei agir com
simpatia, com elegância. Mas existe algo um tanto sobrenatural entre as
mulheres, que as permitem captar entre si, uma espécie de emanação, uma
vibração ou energia que escancara todo e qualquer sentimento, emoção! Foi o que
aconteceu! Eu percebi o quanto estava sendo analisada, o quanto elas estavam
curiosas em me conhecer, mas também percebi uma simpatia fingida! Havia um segredo no ar; e eu, era a única a
não ter conhecimento do mistério!
Minha intuição
gritou novamente. Naquele instante, fiz questão de deixa-la emudecida!
Conversas
triviais. Convidei meu marido para entrarmos.
- Vamos sentarmos
juntos! Vocês se importam que a gente sente com vocês?
Eu não queria
acreditar que aquela mulher estivesse se convidando para ficar conosco. Que
abuso!
- Eu me importo
sim! Mil desculpas, mas não tenho muita chance de fazer um programa a sós com
meu marido!
Todos me olharam
surpresos, inclusive meu marido. Não esperei nova empreitada da inimiga.
Sim, naquele
momento eu já enxergava aquela mulher de vasta cabeleira como uma rival, alguém
que queria a atenção do meu marido. Ela demonstrava claramente suas intenções,
seu objetivo.
Puxei meu marido
pela mão, e deixamos as duas paradas e atônitas, no meio do “hall” de entrada.
Logo após os
primeiros passos, meu marido perguntou:
- O que foi isso?
Por que tanta indelicadeza para com minhas colegas de trabalho?
Sua voz
demonstrava contrariedade. Ele estava contendo sua ira.
- Você ainda
pergunta? Se alguém tem motivos para indignação, esse alguém sou eu!
Respondi
firmemente, sem parar de caminhar.
Ele me seguiu em
silêncio até nos acomodarmos nas filas centrais da plateia. Não havia lugares
marcados naquela sessão. Ao sentarmos, um silêncio constrangedor. Meu marido
numa carranca sem fim.
- Você não vai me
dizer nada? – Perguntei por fim.
- O que você quer
ouvir?
- A verdade sobre
sua relação com aquelas mulheres. – Respondi.
- Somos colegas de
trabalho. Nada mais que isso!
Ele respondia com
os olhos firmes na tela do cinema.
- Por que você não
responde olhando para mim?
- Porque eu vim
aqui para assistir um filme, para relaxar, me distrair! Não quero saber de
discussões sobre os fantasmas da sua insegurança!
Aquilo foi como um
soco no meu estômago. Me levantei e sai dali, sem nada dizer.
Aquelas mulheres
haviam conseguido estragar minha noite.
Me encostei na
parede do corredor que conduzia ao banheiro feminino. E ali dei vazão as
lágrimas de frustração e impotência. Fiquei ali, ignorando as pessoas que
circulavam e me olhavam curiosas. Não tinha importância. O tempo passou, o
filme terminou e eu nem percebi.
Quando ouvi o
barulho e a movimentação aumentar no corredor, voltei a realidade, um tanto
assustada com a minha ausência ao tempo real. Eu havia desligado completamente.
Fui rapidamente ao banheiro, lavar meu rosto, disfarçar as lágrimas.
Tentei ir ao lugar
onde meu marido estava, mas o fluxo contrário das pessoas me impediu. Achei
melhor tentar encontra-lo no hall de entrada. Foi o que fiz!
Ao chegar ali,
mais uma surpresa. Lá estavam os três, conversando animadamente.
Me senti
humilhada! Saí dali dissimuladamente; eu não queria ser vista por nenhum dos
três!
E agora? Onde ir? Sai
caminhando sem destino; mas a noite estava fria. Um vento gelado.
Não havia mais
lágrimas. Só havia um sentimento de dignidade ferida. Vergonha, frustração e
profundo pesar.
Já estava
caminhando há uns minutos, quando avistei uma cafeteria no outro lado da rua.
Parecia familiar. Sentei-me numa mesa e pedi um “capuccino” com chantilly e
dois pães de queijo! Sentada ali, sozinha, com os pensamentos desconexos, sem
conseguir decidir sobre qual seria minha atitude ao retornar para casa, percebi
que estava com fome.
Eu já havia terminado minha refeição há algum tempo, quando uma voz masculina ao meu lado deu fim aos devaneios da minha mente confusa.
- Perdão
senhorita, mas estou há mais de uma hora a lhe controlar. Sua tristeza e
solidão, na madrugada de um domingo, chamaram minha atenção!
Olhei para aquele
desconhecido, ainda confusa e surpresa.
- Que horas são? –
Foi só o que consegui dizer.
- São 02:45 h!
Fiquei chocada. Já
era muito tarde!
- A senhorita
precisa de ajuda? Posso chamar alguém, se quiser...
- Por favor, não!
Os pensamentos
começaram a se organizar. Olhei atenta para o rosto daquele que me falava.
- Se me permite
senhorita, meu nome é Victor Hugo, médico residente ali da Santa Casa!
Seu rosto parecia
familiar. Era um homem jovem, bonito. Meu marido trabalhava no hospital da
Santa Casa! Coincidência?
- Me permita lhe
oferecer uma carona? Posso lhe levar para casa?
Minha razão
gritou: “Não faça isso!”
- Nesse momento,
não sei se quero voltar para casa!
Respondi e voltei
minha atenção para minha xícara de café. Mas a xícara estava vazia.
- Posso então lhe
oferecer uma xícara de café? Mas com umas gotinhas de Amarula para ajudar a
aquecer....
Tornei a olhar
para ele, desta vez com um leve sorriso nos lábios. Um café com Amarula e uma
agradável companhia era tudo o que eu precisava.
Minha intuição
falou: “Aceite e aproveite!”
Foi o que fiz. E
assim tudo começou... Impossível esquecer!
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