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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Contos Urbanos nr.2_Impossível Esquecer

 Contos Urbanos                                                 

                                                            
Impossível esquecer!

Ainda me lembro com precisão absurda cada momento daquela noite de sábado. O que eu esperava ser uma noite de alegria e diversão na companhia do meu marido, virou uma noite de angústia, depois de humilhação, pesar e por fim, uma noite de novas experiências!

Não tínhamos muitas oportunidades de fazer programas juntos. A vida de médico dele estava sempre em primeiro lugar, sempre havia um chamado de urgência, alguém morrendo, ou necessidade de um diagnóstico de emergência.

Naquele dia, iríamos ao cinema e depois um jantar romântico. Eu estava feliz!

Mas tudo mudou ao chegarmos no cinema. Logo na entrada encontramos duas mulheres. Conhecidas do meu marido, colegas de trabalho. Uma era médica cardiologista, a outra enfermeira obstétrica. Ele me contou a respeito delas, quando questionei.

Percebi de imediato uma troca de olhares entre ele e a mulher mais alta. Morena de vasta cabeleira. Presença marcante. Uma beleza diferente. Não havia como ignorar a eletricidade no ar. Ela estava confiante e segura quando ele me apresentou às duas. A segunda mulher parecia estar excitada, curiosa, como se estivesse na expetativa de que alguma coisa interessante pudesse acontecer. A duas me analisaram da cabeça aos pés.

Meu marido, a princípio, pareceu surpreso. Depois, um tanto atrapalhado. Por fim, irritado! Eu, captei no ar alguma coisa, desde o primeiro momento em que as mulheres abanaram para ele, para logo depois se aproximarem.

Não gostei do que a minha intuição feminina gritava silenciosamente nos ouvidos.

Tentei agir com simpatia, com elegância. Mas existe algo um tanto sobrenatural entre as mulheres, que as permitem captar entre si, uma espécie de emanação, uma vibração ou energia que escancara todo e qualquer sentimento, emoção! Foi o que aconteceu! Eu percebi o quanto estava sendo analisada, o quanto elas estavam curiosas em me conhecer, mas também percebi uma simpatia fingida!  Havia um segredo no ar; e eu, era a única a não ter conhecimento do mistério!

Minha intuição gritou novamente. Naquele instante, fiz questão de deixa-la emudecida!

Conversas triviais. Convidei meu marido para entrarmos.

- Vamos sentarmos juntos! Vocês se importam que a gente sente com vocês?

Eu não queria acreditar que aquela mulher estivesse se convidando para ficar conosco. Que abuso!

- Eu me importo sim! Mil desculpas, mas não tenho muita chance de fazer um programa a sós com meu marido!

Todos me olharam surpresos, inclusive meu marido. Não esperei nova empreitada da inimiga.

Sim, naquele momento eu já enxergava aquela mulher de vasta cabeleira como uma rival, alguém que queria a atenção do meu marido. Ela demonstrava claramente suas intenções, seu objetivo.

Puxei meu marido pela mão, e deixamos as duas paradas e atônitas, no meio do “hall” de entrada.

Logo após os primeiros passos, meu marido perguntou:

- O que foi isso? Por que tanta indelicadeza para com minhas colegas de trabalho?

Sua voz demonstrava contrariedade. Ele estava contendo sua ira.

- Você ainda pergunta? Se alguém tem motivos para indignação, esse alguém sou eu!

Respondi firmemente, sem parar de caminhar.

Ele me seguiu em silêncio até nos acomodarmos nas filas centrais da plateia. Não havia lugares marcados naquela sessão. Ao sentarmos, um silêncio constrangedor. Meu marido numa carranca sem fim.

- Você não vai me dizer nada? – Perguntei por fim.

- O que você quer ouvir?

- A verdade sobre sua relação com aquelas mulheres. – Respondi.

- Somos colegas de trabalho. Nada mais que isso!

Ele respondia com os olhos firmes na tela do cinema.

- Por que você não responde olhando para mim?

- Porque eu vim aqui para assistir um filme, para relaxar, me distrair! Não quero saber de discussões sobre os fantasmas da sua insegurança!

Aquilo foi como um soco no meu estômago. Me levantei e sai dali, sem nada dizer.

Aquelas mulheres haviam conseguido estragar minha noite.

Me encostei na parede do corredor que conduzia ao banheiro feminino. E ali dei vazão as lágrimas de frustração e impotência. Fiquei ali, ignorando as pessoas que circulavam e me olhavam curiosas. Não tinha importância. O tempo passou, o filme terminou e eu nem percebi.

Quando ouvi o barulho e a movimentação aumentar no corredor, voltei a realidade, um tanto assustada com a minha ausência ao tempo real. Eu havia desligado completamente. Fui rapidamente ao banheiro, lavar meu rosto, disfarçar as lágrimas.

Tentei ir ao lugar onde meu marido estava, mas o fluxo contrário das pessoas me impediu. Achei melhor tentar encontra-lo no hall de entrada. Foi o que fiz!

Ao chegar ali, mais uma surpresa. Lá estavam os três, conversando animadamente.

Me senti humilhada! Saí dali dissimuladamente; eu não queria ser vista por nenhum dos três!

E agora? Onde ir? Sai caminhando sem destino; mas a noite estava fria. Um vento gelado.

Não havia mais lágrimas. Só havia um sentimento de dignidade ferida. Vergonha, frustração e profundo pesar.

Já estava caminhando há uns minutos, quando avistei uma cafeteria no outro lado da rua. Parecia familiar. Sentei-me numa mesa e pedi um “capuccino” com chantilly e dois pães de queijo! Sentada ali, sozinha, com os pensamentos desconexos, sem conseguir decidir sobre qual seria minha atitude ao retornar para casa, percebi que estava com fome.


Eu já havia terminado minha refeição há algum tempo, quando uma voz masculina ao meu lado deu fim aos devaneios da minha mente confusa.

- Perdão senhorita, mas estou há mais de uma hora a lhe controlar. Sua tristeza e solidão, na madrugada de um domingo, chamaram minha atenção!

Olhei para aquele desconhecido, ainda confusa e surpresa.

- Que horas são? – Foi só o que consegui dizer.

- São 02:45 h!

Fiquei chocada. Já era muito tarde!

- A senhorita precisa de ajuda? Posso chamar alguém, se quiser...

- Por favor, não!

Os pensamentos começaram a se organizar. Olhei atenta para o rosto daquele que me falava.

- Se me permite senhorita, meu nome é Victor Hugo, médico residente ali da Santa Casa!

Seu rosto parecia familiar. Era um homem jovem, bonito. Meu marido trabalhava no hospital da Santa Casa! Coincidência?

- Me permita lhe oferecer uma carona? Posso lhe levar para casa?

Minha razão gritou: “Não faça isso!”

- Nesse momento, não sei se quero voltar para casa!

Respondi e voltei minha atenção para minha xícara de café. Mas a xícara estava vazia.

- Posso então lhe oferecer uma xícara de café? Mas com umas gotinhas de Amarula para ajudar a aquecer....

Tornei a olhar para ele, desta vez com um leve sorriso nos lábios. Um café com Amarula e uma agradável companhia era tudo o que eu precisava.

Minha intuição falou: “Aceite e aproveite!”

Foi o que fiz. E assim tudo começou... Impossível esquecer!

*****

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

 Contos de Areia_nº2 

                                        Encontro extraordinário

                               

Ela adorava ir até a beira-mar nas primeiras horas da manhã: quando os raios solares lhe pareciam ter um brilho especial e as areias ainda estão vazias. Nesses passeios matinais, apenas a companhia de algumas aves em busca de alimento e, um ou outro pescador solitário.

Desde menina foi apaixonada pelo mar, o que lhe levou a estudar Biologia Marítima.  

Naquele dia especialmente, o sol parecia brilhar de forma mais intensa, o céu completamente limpo, sem uma única nuvem, de um azul muito vivo!

Mar aberto, naquela região do sul do Brasil, com a formação de muitas ondas...E naquela manhã de um sol maravilhoso, nenhum vento, mar limpo, águas verdes que brilhavam como um espelho devido a incidência da luz solar! E as ondas? Traziam em suas cristas uma espuma muito branca, e pareciam estar chegando na areia sob uma cadência ritmada! Um verdadeiro espetáculo da natureza!

Era um dia extraordinariamente lindo, perfeito para algum acontecimento especial!

Ela estava sentada na areia já alguns minutos, completamente fascinada pelo esplendor daquele amanhecer, quando um único pescador, bem ao longe, e que sem sorte em sua empreitada, notou sua presença e começou a acompanhar intrigado e curioso a imobilidade da jovem à beira-mar! O pescador também presenciava aquele show da natureza, mas acostumado àquele ambiente e focado no que fazia, não percebia a magnitude do que ocorria a sua volta!

Ela continuava com olhar fixo no horizonte, naquele ponto distante, onde o mar e o céu parecem se encontrar, tendo o sol como testemunha! Gostava de ficar só, simplesmente olhar o mar, respirando o ar da maresia. Para algumas pessoas, seu comportamento era estranho, esquisito. Sempre fora assim! Ela não se importava com o que as pessoas pensavam, na verdade, sempre se sentiu deslocada, como se não pertencesse àquele mundo em que vivia. Preferia a companhia dos animais, das plantas, às pessoas! Ficar só a beira mar sempre era um deleite, um verdadeiro prazer para ela.

A presença do pescador a alguns metros de distância não lhe incomodava; embora tivesse percebido que ele não tirava os olhos de sua figura. Tentou ignorá-lo.

E foi então que avistou alguma coisa, bem longe da orla, antes do local de formação das ondas. Parecia ser um animal grande, que brincava na superfície da água. Sem entender por que, seu coração bateu acelerado. Ficou ansiosa, como se soubesse, inconscientemente, que alguma coisa grandiosa fosse acontecer.

Colocou a palma da mão sobre as pálpebras, acima dos olhos, tentando aguçar a visão e confirmar a presença de alguma coisa no mar!

O pescador notou essa movimentação, e igualmente voltou sua atenção para o mar. E sem dificuldade  percebeu o que tanto atraía a atenção da jovem; que a essa altura, já estava em pé, hipnotizada, olhar fixo no mar. Ao pescador, pareceu que algum animal de porte nadava  sobre o espelho d’agua, como se quisesse usufruir dos raios solares...

Não era possível identificar com precisão que tipo de animal era; naquele momento, o pescador acreditou ser um golfinho ou leão marinho. Tinha certeza que não era um predador, um tubarão! Pois havia um certo encantamento, uma harmonia, parecia que aquele animal estava numa espécie de apresentação e não em busca de comida.

A jovem caminhou em direção ao mar, sem nunca tirar os olhos dos movimentos nas ondas, completamente fascinada pelo show que aquele animal propiciava; e o que quer que fosse, nadava vindo para a praia. Não tinha pressa; vez que outra mergulhava e desaparecia por alguns instantes, para aparente desespero da jovem, para logo depois ressurgir com leveza e magia. Fazia acrobacias, se exibia, como se entendesse que havia quem se interessava por sua presença, ali, naquele pequeno balneário, num dia de amanhecer exuberante!

O pescador já tinha convicção de tratar-se de um golfinho, mas daquela distancia, lhe parecia ser gigantesco, muito maior do que qualquer indivíduo que já tivera conhecimento.

Talvez uma espécie mutante? Uma espécie desconhecida?  

Agora, o pescador também se interessara pelo animal que se avizinhava da orla.

Resolveu se aproximar da jovem, que já demonstrava a intenção de entrar no mar; atitude não recomendável, uma vez que não era possível prever as reações do animal. Antes, porém, resolveu recolher suas linhas de pesca. Tarde demais! Quando percebeu, ela já estava entrando no mar, com alguma dificuldade, é verdade, devido a força das ondas. Ele ainda gritou:

- É perigoso moça! Não entre!!

Ela olhou para ele um instante, nada respondeu, apenas deu de ombros e seguiu caminhando.

O pescador veio correndo, entrou no mar e continuava a alertar do perigo:

- Volte moça! É perigoso!

E foi nesse momento que a maior surpresa aconteceu. Repentinamente, a poucos metros à frente da moça, o enorme golfinho emergiu sobre as águas, em pé! O pescador ficou paralisado, num misto de surpresa e medo. Com os olhos esbugalhados, a boca seca, a respiração acelerada, não conseguia raciocinar e não tinha a compreensão do que estava acontecendo.

O animal continuava a brincar em pé sobre as águas. Os raios do sol batiam na sua pele molhada e a deixavam com cor e brilho únicos. Ele, agora, emitia uns sons. Parecia estar feliz!

O mar parecia entender o que se passava: as ondas repentina e surpreendentemente acalmaram. Agora, não passavam de pequenas marolas, facilitando a caminhada da jovem até o animal, que agora nadava em círculos, num pequeno raio de água, à frente da trajetória da moça.

Sem acreditar no que via, o pescador acompanhou em choque, a distância, o que se passou a seguir...

A jovem caminhou até onde pode, mas logo teve que nadar para se aproximar do animal. Era como um encontro marcado: o animal continuava a nadar em círculos, esperando que ela chegasse até ele!

Quando ela chegou bem próximo, numa área mais profunda, onde não existia o risco de encalhar, ele se aproximou, lenta e tranquilamente! Ficaram se olhando longos segundos. A jovem então, com uma mão se firmava nele, e com a mão livre lhe tocava o rosto. O animal começou a emitir uns sons baixinhos, enquanto ela tocava e beijava-lhe o corpo.

O pescador a tudo assistia, incrédulo! E então, ele deu um mergulho, para quase que imediatamente emergir novamente, só que desta vez, bem embaixo da jovem, fazendo com ela ficasse sobre seu dorso. Ela, de longe, não parecia nem um pouco assustada: era possível vê-la acariciando o corpo do animal. Ele nadou em círculos, com ela agarrada a barbatana superior, para logo depois se posicionar sobre o animal, como se cavalgasse.

Foi quando ele emitiu um som muito alto. Não era um grito de medo ou dor! Parecia um grito de felicidade, de conquista ou vitória! E então, rapidamente se aproximou do pescador que a tudo assistia, completamente aturdido. O pobre homem ficou paralisado, em choque! Era um golfinho gigantesco, enorme, mas sua expressão era dócil, seus movimentos amáveis. Parecia rir, e então, seus olhos se encontraram com os do pescador.

Haveria satisfação e alegria naquele olhar animal?

O pescador procurou os olhos da jovem: ela estava em êxtase no dorso do animal. Parecia imensamente feliz e realizada!

E então, tão rápido quanto se aproximaram, eles se foram, mar adentro!

O pescador ficou olhando, impassível, perplexo, enquanto eles se afastavam, parecendo nadar sobre um espelho d’agua! Quando estavam quase no horizonte, último estágio onde a visão do homem ainda alcançava, percebeu que o animal deu um salto magistral e mergulhou....

Foi a última coisa que sua visão humana pode constatar!  

O pescador ainda ficou algum tempo ali, parado, olhando o horizonte! Na esperança de que aquele animal trouxesse de volta a praia aquela jovem! Mas eles nunca voltaram!

Nunca contou a ninguém o que presenciara! Ninguém acreditaria!

A moça nunca mais foi vista, nem seu corpo encontrado. Simplesmente desapareceu!

Quem me contou essa história? Não vou lhes dizer, vocês não acreditariam... FIM

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

 Contos de Areia_nº1

A escolha

                                     Mara Assumpção

Seu Neco era um senhor de mais de 80 anos, viúvo. Ainda hoje trazia traços do corpo atlético de sua juventude. Havia se mudado para aquele pequeno balneário do litoral gaúcho há mais de 10 anos, quando se aposentara pela Polícia Militar. Quando sua esposa faleceu devido um problema cardíaco, sua única filha lhe pediu que vendesse a casa onde morava e que retornasse para sua cidade natal.  Seu Neco recusou imediatamente. Adorava o sossego daquele lugar, que mesmo na temporada de praia se mantinha como um recanto familiar.

A filha e demais parentes não entendiam porque ele insistia em morar sozinho, longe de toda família. Mas seu Neco nem se preocupava em explicar seus motivos. Não entenderiam. Ele adorava sua vidinha pacata, no seu paraíso – era assim que ele se referia a sua prainha.

-Enquanto eu tiver saúde para fazer minha comida e cuidar das minhas coisas, sem depender de ninguém, daqui eu não saio! – costumava ele repetir a cada investida da filha para levá-lo para mais próximo.

Seu Neco apreciava sua rotina tranquila, e sentia-se feliz com o que a vida lhe proporcionava. Acordava cedo, preparava seu chimarrão – um hábito gaúcho - e sentado na varanda de sua casa, com o rádio ligado ao seu lado, lia seu jornal e, apesar das modernidades, expressão dele, não abria mão de seu jornal impresso.

Depois, por volta das 8h, com seus passos já trôpegos, caminhava até o mar, cerca de 1km de distância de sua casa. E então o momento mais prazeroso do dia: o banho de mar! Seu Neco adorava o mar!

No verão, costumava sentar-se a beira mar e tomar banho de sol, entre um mergulho e outro ou um bate-papo com os guarda-vidas.

No inverno, quase sempre o vento frio que vinha do mar lhe impedia de prolongar-se no seu passeio.

Depois retornava pelo mesmo caminho, passos lentos, mas sempre firmes. Sem pressa, um passo de cada vez.  

À tarde, por volta das 15h, nova caminhada. Esta, bem mais curta: umas três quadras entre sua casa e a padaria, onde buscava pãezinhos quentinhos para o café da tarde. Uma parada aqui, outra ali, para trocar ideias com a vizinhança, quase sempre sobre futebol, o clima e o mar.

Seu Neco também adorava as flores, em especial as orquídeas. Quando via alguma em flor nos jardins vizinhos, sem constrangimento pedia uma muda. Não era raro, pedir mais de uma vez a mesma muda, para a mesma vizinha. Sua memória já não era muito boa!

Foi nessas idas e vindas a padaria que começou a conversar com a Margo. Dia sim, o outro também se encontrava com a Margo na Padaria do Boni, e voltavam juntos pela rua, cada qual com sua sacolinha de pão.

Dona Margarida, a Margo, tinha 75 anos, e como seu Neco era viúva. Nunca tivera filhos.

- Deus não quis me fazer mãe! – era o que sempre repetia.

Vivia com uma irmã mais velha que lhe servia de companhia. Viviam brigando as duas. Dona Margarida, mais de uma vez pensou em mandar ela embora. Mas nunca teve coragem. Sabia que se o fizesse, sua irmã iria terminar num asilo qualquer. Ela tinha dois filhos que mal ligavam para ela vez que outra, e que a visitavam apenas duas vezes por ano: no aniversário e dia das mães!

Seu Neco e dona Margarida ficaram amigos. Cada dia que passava, mais amigos. E por fim, quando a primavera trouxe dias mais quentes, dona Margarida começou a lhe acompanhar todos os dias em sua caminhada até o mar. Tinham um no outro, uma companhia agradável, parceria para conversas triviais e para apreciar as pequenas felicidades que a vida nos propiciava e que o corre-corre do dia-a-dia nos impede de enxergar. Nada exigiam um do outro, compartilhavam suas manhãs com paz, alegria e serenidade.


Quando o verão chegou, seu Neco e sua Margo, já costumavam passear a beira-mar de mãos dadas, o passeio e o banho de mar ficaram mais longos, e costumavam trocar um rápido e furtivo beijinho nos lábios quando se separavam, para depois cada qual seguir o caminho de casa e aguardar a hora de comprar pão, para novo e desejado encontro.

Seu Neco e sua Margo estavam apaixonados e felizes. Era possível ver em seus olhos, no sorriso, até na alegria e gentileza das palavras, aquele encantamento e magia comum aos enamorados.

Entretanto, sua filha nunca desistia de convidá-lo a retornar para sua cidade natal, e com o passar do tempo, estava cada vez mais preocupada com a distância, o avanço da idade e o pai morando sozinho. Fim de semana sim, outro não, visitava o pai; mas às vezes sentia-se cansada em ter que viajar até o litoral.

- Ah, como seria bom se o pai concordasse em retornar para perto! – dizia ela aos demais familiares.

Num sábado em que foi visita-lo, tocou novamente no assunto:

- Pai, sabe aquela casa do senhor Raul, o açougueiro?

- Claro que sim! Adoro aquela casa...

- Pois então, aquela casa está à venda!

-Ué! Porque será? Você sabe?

- Eu estava pensando que poderíamos vender essa casa aqui da praia e comprarmos aquela para o senhor...

O pai olhou surpreso para a filha.

- Quem lhe disse que quero vender essa casa?

- Seria melhor para nós todos, o senhor morando perto de mim....

- Como eu faria minha caminhada até o mar?

- O senhor poderia fazer sua caminhada na praça, no centro da cidade.

- E o meu banho de mar?

- Bem, o senhor não poderá ter tudo ... O banho de mar seria só nas minhas férias, quando poderíamos alugar uma casa no litoral!

- E a minha namorada? Deixaria para trás? Logo agora que encontrei a parceira ideal!

- Tá ficando caduco pai? Que namorada? O senhor nunca quis ter uma namorada.

- Aí que você se engana! – respondeu ele com certo sarcasmo.

- Ok, pai! Não quer voltar pra nossa terrinha, tudo bem! Não precisa ficar inventando namorada como desculpa!

O velho senhor deu de ombros e disse:

- Muito obrigado minha filha por toda preocupação! Agradeço de coração, mas eu fico por aqui... 

- Escolho o meu banho de mar...- completou ele.

E dando a conversas por encerrada, saiu em passos trôpegos, murmurando e rindo consigo mesmo:

- ...Escolho o meu banho de mar e a minha Margo!

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