Contos de Areia_nº2
Encontro extraordinário
Ela adorava ir até a beira-mar nas primeiras horas da manhã: quando os
raios solares lhe pareciam ter um brilho especial e as areias ainda estão
vazias. Nesses passeios matinais, apenas a companhia de algumas aves em busca
de alimento e, um ou outro pescador solitário.
Desde menina foi apaixonada pelo mar, o que lhe levou a estudar Biologia
Marítima.
Naquele dia especialmente, o sol parecia brilhar de forma mais intensa,
o céu completamente limpo, sem uma única nuvem, de um azul muito vivo!
Mar aberto, naquela região do sul do Brasil, com a formação de muitas
ondas...E naquela manhã de um sol maravilhoso, nenhum vento, mar limpo, águas
verdes que brilhavam como um espelho devido a incidência da luz solar! E as
ondas? Traziam em suas cristas uma espuma muito branca, e pareciam estar
chegando na areia sob uma cadência ritmada! Um verdadeiro espetáculo da
natureza!
Era um dia extraordinariamente lindo, perfeito para algum acontecimento
especial!
Ela estava sentada na areia já alguns minutos, completamente fascinada
pelo esplendor daquele amanhecer, quando um único pescador, bem ao longe, e que
sem sorte em sua empreitada, notou sua presença e começou a acompanhar
intrigado e curioso a imobilidade da jovem à beira-mar! O pescador também
presenciava aquele show da natureza, mas acostumado àquele ambiente e focado no
que fazia, não percebia a magnitude do que ocorria a sua volta!
Ela continuava com olhar fixo no horizonte, naquele ponto distante, onde
o mar e o céu parecem se encontrar, tendo o sol como testemunha! Gostava de
ficar só, simplesmente olhar o mar, respirando o ar da maresia. Para algumas
pessoas, seu comportamento era estranho, esquisito. Sempre fora assim! Ela não
se importava com o que as pessoas pensavam, na verdade, sempre se sentiu
deslocada, como se não pertencesse àquele mundo em que vivia. Preferia a
companhia dos animais, das plantas, às pessoas! Ficar só a beira mar sempre era
um deleite, um verdadeiro prazer para ela.
A presença do pescador a alguns metros de distância não lhe incomodava;
embora tivesse percebido que ele não tirava os olhos de sua figura. Tentou
ignorá-lo.
E foi então que avistou alguma coisa, bem longe da orla, antes do local
de formação das ondas. Parecia ser um animal grande, que brincava na superfície
da água. Sem entender por que, seu coração bateu acelerado. Ficou ansiosa, como
se soubesse, inconscientemente, que alguma coisa grandiosa fosse acontecer.
Colocou a palma da mão sobre as pálpebras, acima dos olhos, tentando aguçar
a visão e confirmar a presença de alguma coisa no mar!
O pescador notou essa movimentação, e igualmente voltou sua atenção para
o mar. E sem dificuldade percebeu o que
tanto atraía a atenção da jovem; que a essa altura, já estava em pé,
hipnotizada, olhar fixo no mar. Ao pescador, pareceu que algum animal de porte
nadava sobre o espelho d’agua, como se
quisesse usufruir dos raios solares...
Não era possível identificar com precisão que tipo de animal era; naquele
momento, o pescador acreditou ser um golfinho ou leão marinho. Tinha certeza
que não era um predador, um tubarão! Pois havia um certo encantamento, uma
harmonia, parecia que aquele animal estava numa espécie de apresentação e não
em busca de comida.
A jovem caminhou em direção ao mar, sem nunca tirar os olhos dos
movimentos nas ondas, completamente fascinada pelo show que aquele animal
propiciava; e o que quer que fosse, nadava vindo para a praia. Não tinha pressa;
vez que outra mergulhava e desaparecia por alguns instantes, para aparente
desespero da jovem, para logo depois ressurgir com leveza e magia. Fazia
acrobacias, se exibia, como se entendesse que havia quem se interessava por sua
presença, ali, naquele pequeno balneário, num dia de amanhecer exuberante!
O pescador já tinha convicção de tratar-se de um golfinho, mas daquela
distancia, lhe parecia ser gigantesco, muito maior do que qualquer indivíduo
que já tivera conhecimento.
Talvez uma espécie mutante? Uma espécie desconhecida?
Agora, o pescador também se interessara pelo animal que se avizinhava da
orla.
Resolveu se aproximar da jovem, que já demonstrava a intenção de entrar
no mar; atitude não recomendável, uma vez que não era possível prever as
reações do animal. Antes, porém, resolveu recolher suas linhas de pesca. Tarde
demais! Quando percebeu, ela já estava entrando no mar, com alguma dificuldade,
é verdade, devido a força das ondas. Ele ainda gritou:
- É perigoso moça! Não entre!!
Ela olhou para ele um instante, nada respondeu, apenas deu de ombros e
seguiu caminhando.
O pescador veio correndo, entrou no mar e continuava a alertar do
perigo:
- Volte moça! É perigoso!
E foi nesse momento que a maior surpresa aconteceu. Repentinamente, a
poucos metros à frente da moça, o enorme golfinho emergiu sobre as águas, em
pé! O pescador ficou paralisado, num misto de surpresa e medo. Com os olhos
esbugalhados, a boca seca, a respiração acelerada, não conseguia raciocinar e
não tinha a compreensão do que estava acontecendo.
O animal continuava a brincar em pé sobre as águas. Os raios do sol
batiam na sua pele molhada e a deixavam com cor e brilho únicos. Ele, agora,
emitia uns sons. Parecia estar feliz!
O mar parecia entender o que se passava: as ondas repentina e
surpreendentemente acalmaram. Agora, não passavam de pequenas marolas,
facilitando a caminhada da jovem até o animal, que agora nadava em círculos,
num pequeno raio de água, à frente da trajetória da moça.
Sem acreditar no que via, o pescador acompanhou em choque, a distância, o
que se passou a seguir...
A jovem caminhou até onde pode, mas logo teve que nadar para se
aproximar do animal. Era como um encontro marcado: o animal continuava a nadar
em círculos, esperando que ela chegasse até ele!
Quando ela chegou bem próximo, numa área mais profunda, onde não existia
o risco de encalhar, ele se aproximou, lenta e tranquilamente! Ficaram se
olhando longos segundos. A jovem então, com uma mão se firmava nele, e com a
mão livre lhe tocava o rosto. O animal começou a emitir uns sons baixinhos, enquanto
ela tocava e beijava-lhe o corpo.
O pescador a tudo assistia, incrédulo! E então, ele deu um mergulho,
para quase que imediatamente emergir novamente, só que desta vez, bem embaixo
da jovem, fazendo com ela ficasse sobre seu dorso. Ela, de longe, não parecia
nem um pouco assustada: era possível vê-la acariciando o corpo do animal. Ele
nadou em círculos, com ela agarrada a barbatana superior, para logo depois se
posicionar sobre o animal, como se cavalgasse.
Foi quando ele emitiu um som muito alto. Não era um grito de medo ou
dor! Parecia um grito de felicidade, de conquista ou vitória! E então, rapidamente
se aproximou do pescador que a tudo assistia, completamente aturdido. O pobre
homem ficou paralisado, em choque! Era um golfinho gigantesco, enorme, mas sua
expressão era dócil, seus movimentos amáveis. Parecia rir, e então, seus olhos
se encontraram com os do pescador.
Haveria satisfação e alegria naquele olhar animal?
O pescador procurou os olhos da jovem: ela estava em êxtase no dorso do
animal. Parecia imensamente feliz e realizada!
E então, tão rápido quanto se aproximaram, eles se foram, mar adentro!
O pescador ficou olhando, impassível, perplexo, enquanto eles se
afastavam, parecendo nadar sobre um espelho d’agua! Quando estavam quase no
horizonte, último estágio onde a visão do homem ainda alcançava, percebeu que o
animal deu um salto magistral e mergulhou....
Foi a última coisa que sua visão humana pode constatar!
O pescador ainda ficou algum tempo ali, parado, olhando o horizonte! Na
esperança de que aquele animal trouxesse de volta a praia aquela jovem! Mas
eles nunca voltaram!
Nunca contou a ninguém o que presenciara! Ninguém acreditaria!
A moça nunca mais foi vista, nem seu corpo encontrado. Simplesmente
desapareceu!
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