Contos de Areia_nº1
A escolha
Mara
Assumpção
Seu Neco era um
senhor de mais de 80 anos, viúvo. Ainda hoje trazia traços do corpo atlético de
sua juventude. Havia se mudado para aquele pequeno balneário do litoral gaúcho
há mais de 10 anos, quando se aposentara pela Polícia Militar. Quando sua
esposa faleceu devido um problema cardíaco, sua única filha lhe pediu que
vendesse a casa onde morava e que retornasse para sua cidade natal. Seu Neco recusou imediatamente. Adorava o
sossego daquele lugar, que mesmo na temporada de praia se mantinha como um
recanto familiar.
A filha e demais
parentes não entendiam porque ele insistia em morar sozinho, longe de toda
família. Mas seu Neco nem se preocupava em explicar seus motivos. Não
entenderiam. Ele adorava sua vidinha pacata, no seu paraíso – era assim que ele
se referia a sua prainha.
-Enquanto eu tiver
saúde para fazer minha comida e cuidar das minhas coisas, sem depender de
ninguém, daqui eu não saio! – costumava ele repetir a cada investida da filha
para levá-lo para mais próximo.
Seu Neco apreciava
sua rotina tranquila, e sentia-se feliz com o que a vida lhe proporcionava.
Acordava cedo, preparava seu chimarrão – um hábito gaúcho - e sentado na
varanda de sua casa, com o rádio ligado ao seu lado, lia seu jornal e, apesar
das modernidades, expressão dele, não abria mão de seu jornal impresso.
Depois, por volta
das 8h, com seus passos já trôpegos, caminhava até o mar, cerca de 1km de
distância de sua casa. E então o momento mais prazeroso do dia: o banho de mar!
Seu Neco adorava o mar!
No verão,
costumava sentar-se a beira mar e tomar banho de sol, entre um mergulho e outro
ou um bate-papo com os guarda-vidas.
No inverno, quase
sempre o vento frio que vinha do mar lhe impedia de prolongar-se no seu
passeio.
Depois retornava
pelo mesmo caminho, passos lentos, mas sempre firmes. Sem pressa, um passo de
cada vez.
À tarde, por volta
das 15h, nova caminhada. Esta, bem mais curta: umas três quadras entre sua casa
e a padaria, onde buscava pãezinhos quentinhos para o café da tarde. Uma parada
aqui, outra ali, para trocar ideias com a vizinhança, quase sempre sobre futebol,
o clima e o mar.
Seu Neco também adorava
as flores, em especial as orquídeas. Quando via alguma em flor nos jardins
vizinhos, sem constrangimento pedia uma muda. Não era raro, pedir mais de uma
vez a mesma muda, para a mesma vizinha. Sua memória já não era muito boa!
Foi nessas idas e
vindas a padaria que começou a conversar com a Margo. Dia sim, o outro também
se encontrava com a Margo na Padaria do Boni, e voltavam juntos pela rua, cada
qual com sua sacolinha de pão.
Dona Margarida, a
Margo, tinha 75 anos, e como seu Neco era viúva. Nunca tivera filhos.
- Deus não quis me
fazer mãe! – era o que sempre repetia.
Vivia com uma irmã
mais velha que lhe servia de companhia. Viviam brigando as duas. Dona
Margarida, mais de uma vez pensou em mandar ela embora. Mas nunca teve coragem.
Sabia que se o fizesse, sua irmã iria terminar num asilo qualquer. Ela tinha
dois filhos que mal ligavam para ela vez que outra, e que a visitavam apenas duas
vezes por ano: no aniversário e dia das mães!
Seu Neco e dona Margarida ficaram amigos. Cada dia que passava, mais amigos. E por fim, quando a primavera trouxe dias mais quentes, dona Margarida começou a lhe acompanhar todos os dias em sua caminhada até o mar. Tinham um no outro, uma companhia agradável, parceria para conversas triviais e para apreciar as pequenas felicidades que a vida nos propiciava e que o corre-corre do dia-a-dia nos impede de enxergar. Nada exigiam um do outro, compartilhavam suas manhãs com paz, alegria e serenidade.
Quando o verão
chegou, seu Neco e sua Margo, já costumavam passear a beira-mar de mãos dadas, o
passeio e o banho de mar ficaram mais longos, e costumavam trocar um rápido e
furtivo beijinho nos lábios quando se separavam, para depois cada qual seguir o
caminho de casa e aguardar a hora de comprar pão, para novo e desejado encontro.
Seu Neco e sua
Margo estavam apaixonados e felizes. Era possível ver em seus olhos, no
sorriso, até na alegria e gentileza das palavras, aquele encantamento e magia
comum aos enamorados.
Entretanto, sua
filha nunca desistia de convidá-lo a retornar para sua cidade natal, e com o
passar do tempo, estava cada vez mais preocupada com a distância, o avanço da
idade e o pai morando sozinho. Fim de semana sim, outro não, visitava o pai;
mas às vezes sentia-se cansada em ter que viajar até o litoral.
- Ah, como seria bom
se o pai concordasse em retornar para perto! – dizia ela aos demais familiares.
Num sábado em que
foi visita-lo, tocou novamente no assunto:
- Pai, sabe aquela
casa do senhor Raul, o açougueiro?
- Claro que sim!
Adoro aquela casa...
- Pois então,
aquela casa está à venda!
-Ué! Porque será?
Você sabe?
- Eu estava
pensando que poderíamos vender essa casa aqui da praia e comprarmos aquela para
o senhor...
O pai olhou surpreso
para a filha.
- Quem lhe disse
que quero vender essa casa?
- Seria melhor
para nós todos, o senhor morando perto de mim....
- Como eu faria
minha caminhada até o mar?
- O senhor poderia
fazer sua caminhada na praça, no centro da cidade.
- E o meu banho de
mar?
- Bem, o senhor
não poderá ter tudo ... O banho de mar seria só nas minhas férias, quando
poderíamos alugar uma casa no litoral!
- E a minha
namorada? Deixaria para trás? Logo agora que encontrei a parceira ideal!
- Tá ficando
caduco pai? Que namorada? O senhor nunca quis ter uma namorada.
- Aí que você se
engana! – respondeu ele com certo sarcasmo.
- Ok, pai! Não
quer voltar pra nossa terrinha, tudo bem! Não precisa ficar inventando namorada
como desculpa!
O velho senhor deu
de ombros e disse:
- Muito obrigado minha filha por toda preocupação! Agradeço de coração, mas eu fico por aqui...
- Escolho
o meu banho de mar...- completou ele.
E dando a
conversas por encerrada, saiu em passos trôpegos, murmurando e rindo consigo mesmo:
- ...Escolho o meu banho de mar e
a minha Margo!
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