Contos Urbanos nr.3_”Inconsequentes!”
De Mara Assumpção
Não se fala em outra coisa: Covid,
vacinas, distanciamento social. Não aglomere!
Confesso que estava farto disso tudo!
Minha academia ficou fechada por
muito tempo, meu futebol semanal, impedido por meses interruptos. Comemorar
aniversário? Nem pensar!
Amigos concluíram a graduação, e
tiveram colação de grau em gabinete... Eu estava cansado!
Também fiquei um pouco confuso: não
sabia no que acreditar, em quem confiar!
Nossos governantes e políticos pareciam
perdidos! Alertavam-nos para ficar em casa, mas todos eles estiveram nas ruas,
fazendo campanha (e aglomerações) para as eleições municipais de 2020!
Transporte público? Lotados!
Então, eu não levei muito a sério
essa história de usar máscara, evitar aglomerações, distanciamento social!
Atendia os protocolos, somente quando era obrigado!
Além de tudo, tenho 27 anos, sou
jovem, saudável, faço natação e academia, jogo futebol toda semana, corpo
atlético, e não corria o risco de contaminar pessoas vulneráveis, dos grupos de
risco. Divido o aluguel do apartamento em que moro com um colega de trabalho!
No final do ano, eu sabia que a
contaminação estava aumentando, mas em nenhum momento me senti em perigo.
Essa peste estava bem longe de mim! Até
que um dia, fiquei sabendo dos avós de um amigo de infância que haviam sido
contaminados e estavam hospitalizados. Fiquei chateado!
Pandemia dos infernos!
Esse meu amigo acabou perdendo o avô,
e semanas depois, a avó. Mais de quarenta dias de UTI, e acabaram não
resistindo. Dez dias entre uma perda e outra. E nem puderam fazer um funeral
decente! Que tristeza!
Esse vírus é cruel e agressivo,
covarde para com os idosos! Era o meu pensamento e da grande maioria da minha
geração!
As semanas foram passando, a evolução
da pandemia no meu estado estabilizando, o medo do desconhecido reduzido, as
restrições de circulação afrouxando!
Pude voltar para a academia, uma
cerveja com os amigos no final do expediente.
Continuava a recomendação para se
evitar as aglomerações; mas um churrasquinho depois do futebol... Nada demais,
umas vinte pessoas no máximo!
Ano novo, verão, férias...
Quase esqueci que vivíamos uma pandemia;
já estava costumado ao nosso novo normal.
Até o dia em que fiquei sabendo que
minha irmã estava com Covid!
Foi a primeira vez que tive medo,
pela saúde dos meus pais.
Minha irmã ainda morava com eles;
ambos cinquentões, meu pai cardiopata, minha mãe, asmática.
Felizmente, ninguém precisou ser
hospitalizado. Apenas sintomas gripais! Passou...
Achei que a mídia estava aumentando o
tamanho do “bicho”. Relaxei!
As vacinas estavam chegando, minha
família estava curada, e eu acreditava, imunizada.
Férias e carnaval. Fui convidado a dividir o aluguel de uma casa na praia.
Muita bebida, música, praia, festas!
Esquecemos que havia uma pandemia:
nenhum protocolo de prevenção.
A casa era dividida por um grupo de
dez pessoas. Só diversão!
Quanta irresponsabilidade! Fomos
inconsequentes...
Três dias antes do nosso retorno, uma
de nossas amigas começou a sentir indisposta: dor de cabeça, alguma tosse e
cansaço. Achou que estava gripada!
Na véspera do nosso retorno, o alarme
soou! Nossa amiga acordou febril, e suas
companheiras de quarto, começaram a apresentar sintomas semelhantes!
Resolvemos todos fazer o teste do
Covid numa farmácia! Éramos dez, oito positivaram!
Voltamos para casa naquela mesma
tarde; nossa amiga foi direto para uma Emergência.
Eu estava entre os positivados, mas
até o dia seguinte, sem qualquer sintoma!
Acreditei ser assintomático, afinal
sou jovem!
Porém, no dia seguinte, o pior
aconteceu: dor de cabeça e garganta, tosse e um cansaço associado a dores no
corpo! Do nada, comecei a me sentir muito mal.
Não quis assustar minha família,
avisei por “whatsapp” que estava com Covid, mas que eram apenas sintomas
gripais.
Passei aquele dia na cama, não tinha
fome; só um total desânimo; mas a noite apareceu febre e a falta de ar!
Foi uma noite terrível: nunca me
senti tão mal! Não conseguia respirar direito!
Meu amigo, com quem eu dividia o
apartamento, também positivado, estava assintomático e foi quem me levou para
um hospital.
Lotado! Emergência fechada, não podiam receber novos pacientes!
Fomos encaminhados para uma Unidade de Pronto Atendimento, que também estava transbordando de gente! Mas como eu estava muito febril e com bastante falta de ar, fizeram o meu atendimento.
Agora, estou aqui a gravar esse
áudio; respiro com dificuldade, mas preciso alertá-los!
Continuo na UPA, num leito na emergência, esperando os resultados de uma tomografia pulmonar. Já entrei na lista de espera por um leito hospitalar, já me disseram que meu caso é grave, talvez caso de UTI!
Não quero ir para uma UTI! Estou com medo!
Será que conseguirei um leito de UTI?
Tenho convênio, mas está tudo lotado!
Por favor, se cuidem! Não sejam
inconsequentes como eu fui!
Esta me faltando o ar....
SOCORRO!
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